sexta-feira, 5 de junho de 2009

O futuro da indústria gráfica

Certa feita, ao desmentir uma notícia sobre seu hipotético falecimento, disparou: “As notícias sobre minha morte foram extremamente exageradas”. Talvez algo semelhante aconteça com a indústria gráfica, cujo féretro tem sido anunciado, principalmente por veículos impressos, há quase meio século. Pinkus Jaspert, jornalista especializado em indústria gráfica, preconizou, em 1976, que o leríamos o New York Times somente em tela já a partir do ano 2000.

Quando presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), alertei a diversos públicos empresariais que alguns produtos da indústria gráfica pereceriam. A nota fiscal impressa era um deles. Fruto de uma relação incestuosa entre controle fiscal, cobiça arrecadatória e aceleração das informações, era previsível que os sistemas eletrônicos integrados atropelariam a nota fiscal “arcaica”.

Todavia, há produtos gráficos com uma sobrevida considerável, principalmente nos países emergentes. Consideremos apenas alguns dados recentes:

1) Enquanto a demanda por jornais nos EUA cai sucessivamente, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) emitiu no início do ano o relatório de tiragens no Brasil em 2008, apresentando um acréscimo de 5% na circulação média diária;

2) Segundo dados da Abigraf e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor da produção setorial em 2008 ultrapassou aproximadamente US$ 13,2 bilhões. No período de oito anos, entre 2000 e 2008, o contingente de colaboradores no setor saltou de 168 mil para 204 mil, de acordo com o Ministério do Trabalho;

3) Estudo publicado pelo Rochester Institute of Technology revelou que, entre 1998 e 2020, os EUA passarão de 61,6 milhões para 75,9 milhões de toneladas/ano de consumo de papel. Há encolhimento de demanda prevista em vários segmentos, como periódicos, jornais, livros, catálogos e manuais. Por outro lado, há incrementos significativos em embalagem, promoção e papel cortado.

A ameaça à indústria gráfica tem fundamento. Quando a Sony lança uma tela flexível que simula a portabilidade do papel, é insensato desprezar o avanço tecnológico que já obsoletou produtos gráficos. Mas, ao mesmo tempo, cabe questionar quantos leitores dos BRICs (grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia e China) poderão pagar os US$ 359,00 do livro eletrônico Kindle 2, apresentado pela Amazon no dia 9 de fevereiro último?

Como será, então, essa gráfica do futuro? Algumas das características de empresas gráficas do futuro, garantindo longevidade, adaptabilidade e geração de valor ao negócio, serão:

1)Eficiência absoluta: nossa indústria ainda é altamente ineficiente, em termos de perdas e geração de valor “per capita”. O faturamento médio por funcionário da gráfica brasileira é de US$ 50 mil anuais, relativamente baixo comparado a outras indústrias;

2) Especialização notória: como se distinguir como líder no share of mind do seu cliente, quando há 20 mil concorrentes? A especialização, o controle de processo e a liderança de determinado segmento são ferramentas indispensáveis para a sobrevivência;

3) Agregação de valor: o destino da indústria madura — e a indústria gráfica é uma senhora de 550 anos — é a “comoditização” dos serviços e rebaixamento dos preços. As gráficas do futuro deverão identificar oportunidades de agregar serviços a partir da visão do cliente, não da sua própria;

4) Flexibilidade: gráfico tem os olhos voltados para seu próprio umbigo. Empresários com máquinas offset desconsideram impressão digital. Além disso, produtos plásticos impressos não são considerados gráficos, no sentido tradicional. Não me consta que a Nokia, uma empresa centenária, tenha fabricado telefones celulares desde sua fundação.

No fundo, tais características valem para toda empresa que pretenda sobreviver, não somente as gráficas. Enquanto isso, continuaremos a ler sobre a morte anunciada das impressões sobre papel, exatamente nos moldes dos proclamas funéreos de Mark Twain.

Por Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito, é presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP).

*As idéias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidade dos seus autores e não refletem necessariamente a opinião da Gráfica 2001.